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A CHEGADA ONDE QUERO FICAR

Foto do escritor: Rita EscórcioRita Escórcio

 

“Quando eu vim do sertão seu moço

Do meu bodocó

Meu malote era um saco

E o cadeado era o nó

Só trazia a coragem e a cara...”


A música “Pau de Arara”, imortalizada na voz de Gilberto Gil, traduz, em parte, minha saída da terra natal. Rasguei as lembranças da infância e me pus no mundo adolescente em terras estranhas. Meu pai tinha vindo antes, a serviço. Depois de um certo tempo, trouxe sua numerosa família para este lugar. Eu, sendo a terceira de onze irmãos, nunca tinha saído de meu minúsculo torrão natal, visto que titia não nos permitia sair do entorno de nossa casa. Nosso mundo era nosso bairro. E quando saíamos era sob sua vigilância. Quando um banho era preciso ser mais demorado, ela nos levava a um rio que ficava próximo a nossa casa. Bastava seguir a linha férrea e encontrava uma fartura d’àgua a perder de vista. Com tamanha e desmesurada proteção, titia também não nos ensinou a nadar. Bem que poderia ter feito isso. Faz-me muita falta. Pois bem, deixamos tudo que tínhamos vivido em nossa bucólica cidadezinha... Quando aqui cheguei, não imaginei que ia cair de amores por esta cidade que, assustadoramente, achei tão grande e tão diferente da minha. Sair da infância e entrar na adolescência foi meu treino pesado para a vida adulta: medo, ansiedade, mudança corporal etc. O rito de passagem nestas duas fases veio, como se diz hodiernamente, em forma de combo. Todos sabem que em uma família numerosa, não há pausas para mimimis. Cada um(a) processa suas mudanças silenciosamente, sem muito estardalhaço. Quando aqui cheguei, tornei-me mocinha. Uma jovenzinha acanhada, medrosa, sem muitos atrativos próprios da adolescência. Fase andrógena. Ao ir a pé para o colégio que ficava localizado na área conhecida como Rua de Baixo, os meninos e meninas que passavam por mim com olhares curiosos não sabiam identificar se era menino ou menina, pois segundo os comentários ouvidos faltavam-me seios e também não possuía adornos como brincos e colares além de não ter a boca e unhas pintadas. Mais um traço da androgenia: os cabelos eram cortados bem rentes ao casco (rsrsrsrs...) Assim, eu e o meu povo não colaborávamos com minha identificação. Era ainda uma menina. Depois veio a fase de me tornar mulher. Nada me fora repassado, nem na escola nem em casa, sobre esta passagem, e também sobre menstruação. Aprendi vergonhosamente. Aconteceu no colégio. Senti um pequeno líquido escorrer-me entre as pernas. Não era xixi. Olhei, atentamente, para aquela novidade que escoava em mim. Diferente, vermelho. Voltei para casa manchada entre as pernas. Tornei-me, literalmente, mulher. Nasci para esta nova terra que me acolheu. Da infância, guardo lembranças esmaecidas pelo tempo. De minha fase mulher, estou a preencher até hoje o que esta terra tem me proporcionado: amores, desilusões e muita vontade de permanecer para sempre aqui. 


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